2007-10-11

Vagão «j»



«A charanga, derreada, vai marcando do coreto o compasso à marcha que os homens batem em baixo, no terreiro. Botas de bezerro, bota cardada, camisa branca, rosto vermelho estoirando de carrascão.
- É agora!
No sarrabulho do baile, arrancavam nuvens de poeira que engrossam o ar. E na curva macia do céu, estrelas ensonadas lucilam de olhos piscos.
Chega-lhe agora. Prà direita. É mais uma! E virou!
(...)

Um balão malhado de cores numa ascensão repousada ia subindo ao céu. Então os homens deixaram de escavar o terreiro.
- Vai arder! Vai arder!
Antes que ardesse, o mestre da charanga atacou, duro, uma música de triunfo. Olhos parados no ar. (Olha a boa da melancia!) Ia arder com certeza. Aquele asno do Carranca...
Sobre a escadaria da capela, Manuel bate com a bota o compasso da música.
- Tão não danças?
A calça repuxada descobria a meia de algodão e os atilhos. Tinha a jaqueta aberta, a camisa desabotoada e um crânio de ferro.
- Não danças?
- Prò raio....
(...)
O mestre da charanga limpava o suor da testa ao lenço tabaqueiro e os músicos desabotoados - pff!, que calor...- iam passando a cântara de vinho, de uns para os outros, para molharem a goela encortiçada. Céu tranquilo em curva doce, abarcando o mundo. Os homens do terreiro esperavam mais música porque a noite acabaria depressa e eles não estavam ali senão para se amassarem bem na dança
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Vergílio Ferreira; Vagão «j»



A Charanga do Samouco

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