2007-10-31

Dietrich (Diderich) Buxtehude (1637 - 1707)

Infelizmente não foi possível estar presente na Capela da Bemposta. Teria sido muito interessante. No entanto fomos contaminados pela febre de Buxtehude, mesmo à distância.
Há uma linha bem vincada que vai do compositor alemão (que sempre se reclamou dinamarquês, pelo que se diz) até Bach...e continua. Persistente. Como já o fora Bach quando insistiu, correndo alguns riscos assinaláveis, em fazer a longa viagem até Lübeck para se encontrar com o famoso compositor da cidade. Isto Ilustra bem a admiração do genial Johann Sebastian pelo organista de Marienkirche.
As Kantaten que Ton Koopman tão bem soube trazer ao público e a música para órgão, aqui soberbamente interpretada por K-B Kropf, no Arp Schnitger de Neuenfelde, revelam a certeza da intuição de Bach ao sublinhar o valor desta música profunda e envolvente.

Assim, tem sido uma semana a cantata e órgão. E como já nos foi dito, é um privilégio!


2007-10-24

Luciano Berio

"A Música é um instrumento para possuir as coisas. Como a grande poesia que possui a realidade através das palavras. Pode alguém ser muito culto em outros ramos da Arte e da Ciência, a Música, porém, só pode ser criada no contexto do saber musical. Assim, o músico é aquele que, através da Música, busca uma significação da realidade."
Luciano Berio; Entrevista, 1988.




Luciano Berio nasceu em Oneglia, Itália, a 24 de Outubro de 1925. Dele se diz que para além de compositor genial para voz, era senhor de uma visão teórica da Música, expressão de uma forma de vida com muito sentido. Na Música como na vida foi inovador bem humorado e experimentador de uma criatividade audaz. Faleceu numa Primavera: a de 2003. O Broto gosta sobretudo de assinalar hierofanias. Louvemos....

2007-10-22

Ferenc (Franz) Liszt

Não tem havido tempo para reflectir sobre música, para navegar na poesia ou, sequer, para visitar os blogues. Os dos amigos que sempre me trazem novas do mundo real, desse mundo que respira e vive debaixo do manto (nada diáfano) desta realidade forjada em que mergulhamos no dia-a-dia. Tem havido (porque isso é imperativo) tempo para ouvir música. Se bem que não com a atenção necessária. Mas não posso deixar passar em claro o momento Liszt. Hoje faria qualquer coisa como 196 anos. Bela idade, a caminho do eterno. A eternidade que Horowitz (outro demiurgo do paraíso) nos traz como consolação. Marquemos a data com o perfume do sublime.

2007-10-18

António Ramos Rosa


Estou em atraso. Ramos Rosa aniversariou ontem, 17 de Outubro. Agradeço à Moura a centelha que acendeu as emoções. A celebrar o aniversário de alguém, que seja de alguém assim ilustre. Vezes sem conta, ilustre. Nunca o meu! Que da luz recebi pouco. Ilustrado e ilustrador é o poeta. O incansável poeta da tocha acesa: o zeteta. Não podemos adiar um nome. Voltemos hoje a aspirar o seu perfume intemporal.


«Da grande página aberta do teu corpo
sai um sol verde
um olhar nu no silêncio de metal
Uma nódoa no teu peito de água clara


Pela janela vejo a pequenina mão
de um insecto escuro
percorrer a madeira do momento intacto

meus braços agitam-te como uma bandeira em brasa
ó favos de sol


Da grande página aberta
sai a água de um chão vermelho e doce
saiem os lábios de laranja beijo a beijo
o grande sismo do silêncio
em que soberba cai vencida a flor
»

António Ramos Rosa, Nos Seus Olhos de Silêncio (1970)


É um prazer antigo. Uma inquietação. Ler Ramos Rosa e ouvir os nocturnos de John Field (1782 - 1837). Não propriamento o nº 5, mas....

2007-10-16

Poemat Fibicha

Porque a melancolia
tomou hoje conta de mim
por nada
por todo o nada
que amanhã aflorará
no incansável fluir
e hoje me pesa já
como presença....


«Poemat Fibicha» cantado em 1937 (gravado em vinil, naturalmente) por Marian Demar. A obra de apresentação do checo Zdenek Fibich (1850 - 1900).

2007-10-15

Fechtschule

Este é um postal com destinatária. Sabemos do 'entusiasmo bélico' da nossa excelente Xantipa. Já que o 'marido' prefere a Agora tem ela que se esforçar...e fazer pela vida. Mas para ela este fim de semana foi de festa no Oeste. Pelo que se lê. A melhor celebração vem pela música e pela 'dança'. Sobre isto devemos estar de acordo. Seleccionei então um belo exemplo que, não sei, mas presumo que lhe agradará. Jean- Baptiste Lully (1632 - 1687) e Johann-Heinrich Schmelzer (1623 - 1680) brindam-nos com esta «Fechtschule». Direitinha à Xantipa. Com amizade e admiração!

2007-10-14

Esta Semana....


Iniciemos a semana com a suavidade inspirada da música medieval (Ars Nova). Vou ouvir com atenção esta obra extraordinária que dá pelo nome de «Le Jugement du Roi de Navarre» da autoria de Guillaume Machaut (1300-1377) e assinada desta forma bastante curiosa:«Je, Guillaumes dessus nommez, Qui de Machau sui seurnommez». Obra dedicada a um jovem protector do músico, o Dauphin Charles de Navarre, que no momento menos adequado se aliou aos ingleses, naquela época conturbada da história francesa de meados do século XIV.
Duzentos anos mais tarde, mais coisa menos coisa, o flamengo Pieter Brueghel (c.1525 – 1569), dá um retrato da azáfama da vida do Renascimento: Um tempo de mudança.
Encontrei no Youtube esta preciosidade. Bela combinação!!


A música que acompanha Brueghel chama-se Chanson Baladée e é, claro, de Guillaume Machaut.

2007-10-11

Vagão «j»



«A charanga, derreada, vai marcando do coreto o compasso à marcha que os homens batem em baixo, no terreiro. Botas de bezerro, bota cardada, camisa branca, rosto vermelho estoirando de carrascão.
- É agora!
No sarrabulho do baile, arrancavam nuvens de poeira que engrossam o ar. E na curva macia do céu, estrelas ensonadas lucilam de olhos piscos.
Chega-lhe agora. Prà direita. É mais uma! E virou!
(...)

Um balão malhado de cores numa ascensão repousada ia subindo ao céu. Então os homens deixaram de escavar o terreiro.
- Vai arder! Vai arder!
Antes que ardesse, o mestre da charanga atacou, duro, uma música de triunfo. Olhos parados no ar. (Olha a boa da melancia!) Ia arder com certeza. Aquele asno do Carranca...
Sobre a escadaria da capela, Manuel bate com a bota o compasso da música.
- Tão não danças?
A calça repuxada descobria a meia de algodão e os atilhos. Tinha a jaqueta aberta, a camisa desabotoada e um crânio de ferro.
- Não danças?
- Prò raio....
(...)
O mestre da charanga limpava o suor da testa ao lenço tabaqueiro e os músicos desabotoados - pff!, que calor...- iam passando a cântara de vinho, de uns para os outros, para molharem a goela encortiçada. Céu tranquilo em curva doce, abarcando o mundo. Os homens do terreiro esperavam mais música porque a noite acabaria depressa e eles não estavam ali senão para se amassarem bem na dança
.
»


Vergílio Ferreira; Vagão «j»



A Charanga do Samouco

2007-10-08

Violoncelo

(Madrigal para a Inventada)

Vou inventar uma flor
para pôr
no teu cabelo.

Uma flor com asas de lume
donde, em vez de perfume,
saiam sons de violoncelo.

E eu possa dizer à Terra:
«Sim. Bendito seja o teu ventre entre as mulheres.
Mas basta de malmequeres!»

[José Gomes Ferreira; Poesia III (1961)]


No mesmo ano (1961), Mstislav Rostropovich (o senhor 'violoncelo') (1927 -2007) executa, com a London Symphony Orchestra, o 'Concerto for Violoncello & Orchestra, op.107 ' de Dmitri Shostakovich (1906 - 1975). Felizes coincidências....



2007-10-07

Salão Nobre do Conservatório Nacional

E porque não alguma solidariedade cultural? O Salão Nobre do Conservatório Nacional está neste estado. Assine aqui a petição. Nunca se sabe......

2007-10-05

Livros que mudaram a minha vida (a corrente....)

Quis responder ao desafio lançado pelo Tónica Dominante. Com isso fui colocado perante a procissão dos meus fantasmas, dos que me empurram para o fim. Daqueles que entrevi aponto a dedo alguns. Muitos outros se camuflaram nas pardas sombras da memória. Esses virão depois. Eis os primeiros:

- José Gomes Ferreira - Poesia III,IV e V;
- Vergílio Ferreira - Vagão J;
- Manuel da Fonseca - Seara de Vento;
- Hermann Hesse - Siddhartha;
- Platão - Apologia de Sócrates;
- António Lobo Antunes - Manual dos Inquisidores;
- José Saramago - In Nomine Dei;
- Jorge Luis Borges - Ficciones;
- Cervantes - Novelas ejemplares;
- Thomas Mann - Doutor Fausto;
- Marguerite Yourcenar - L'Oeuvre au Noir;
- Jean-Paul Sartre - Les Mains Sales;
- Franz Kafka - A Metamorfose;
- Stig Dagerman - Outono Alemão;
- Martin Heidegger - Holzwege.


e mais....muitos mais....

2007-10-04

Óbidos - Temporada de Cravo


Está à porta a 5ª edição da «Temporada de Cravo de Óbidos». Este ano sob os auspícios da celebração dos 250 anos da morte do compositor napolitano Domenico Scarlatti. Uma excelente iniciativa numa vila que se afirma cada vez mais no panorama cultural deste pobre país e, ainda por cima, aqui tão perto de tudo. Tanto quanto sei não vai haver Spinet. Mas garanto que vale a pena. Consulte-se aqui o flyer.


2007-10-03

Louis Aragon

A 3 de Outubro de 1897, talvez numa velha pensão à beira do Sena, nasce Louis Aragon. A mãe, jovem proprietária, não o assumiu imediatamente. O pai nunca soube bem quem fora. Talvez um velho político da época. A França livre 'levou-o em ombros'.
Poeta, também o mundo tardou em assumi-lo. A sua irreverência sentida tornou-se bandeira na ressaca do grande morticínio. Foi voz de peso na revolução cultural da Europa e a História canta o seu nome como ele cantou os difíceis nomes do «l'Affiche Rouge».
Porque "não há amor feliz"...

Il n'y a pas d'amour Heureux

«Rien n'est jamais acquis à l'homme. Ni sa force
Ni sa faiblesse ni son cœur. Et quand il croit
Ouvrir ses bras son ombre est celle d'une croix
Et quand il croit serrer son bonheur il le broie
Sa vie est un étrange et douloureux divorce

Il n'y a pas d'amour heureux

Sa vie elle ressemble à ces soldats sans armes
Qu'on avait habillés pour un autre destin
A quoi peut leur servir de ce lever matin
Eux qu'on retrouve au soir désarmés incertains
Dites ces mots ma vie et retenez vos larmes

Il n'y a pas d'amour heureux

Mon bel amour mon cher amour ma déchirure
Je te porte dans moi comme un oiseau blessé
Et ceux-là sans savoir nous regardent passer
Répétant après moi les mots que j'ai tressés
Et qui pour tes grands yeux tout aussitôt moururent

Il n'y a pas d'amour heureux

Le temps d'apprendre à vivre il est déjà trop tard
Que pleurent dans la nuit nos cœurs à l'unisson
Ce qu'il faut de malheur pour la moindre chanson
Ce qu'il faut de regrets pour payer un frisson
Ce qu'il faut de sanglots pour un air de guitare

Il n'y a pas d'amour heureux

Il n'y a pas d'amour qui ne soit à douleur
Il n'y a pas d'amour dont on ne soit meurtri
Il n'y a pas d'amour dont on ne soit flétri
Et pas plus que de toi l'amour de la patrie
Il n'y a pas d'amour qui ne vive de pleurs

Il n'y a pas d'amour heureux
Mais c'est notre amour à tous deux.»


Louis Aragon, 1946


Georges Brassens:

2007-10-01

Vladimir Horowitz (Kiev, 1 de Outubro de 1903)

Faria hoje 104 anos. Recordemos então o pianista do século. Nascido em Kiev, Ucrânia, é filho da Revolução de Outubro, sem a qual, dizia, nunca teria sido um grande pianista. Abandonou-a aos 25 anos, quando a própria revolução já definhava. Rendeu-se ao "American way of life" e tornou-se cidadão do mundo. Regressou à Rússia já perto do fim. Um regresso emocionado e conturbado.
No Éden dos pianistas ocupará, sem sombra de dúvida, um dos lugares de privilégio.