"Ach, mein Sinn, Wo willt du endlich hin, Wo soll ich mich erquicken? Bleib ich hier, Oder wünsch ich mir Berg und Hügel auf den Rücken? Bei der Welt ist gar kein Rat, Und im Herzen Stehn die Schmerzen Meiner Missetat, Weil der Knecht den Herrn verleugnet hat."
Numa Europa aparentemente a braços com uma questão de imigração vão surgindo espíritos lúcidos. Poucos mas bons. Parece estar fora do âmbito deste blogue referir-se a certas questões. Apenas parece. Nem a música está alheada do mundo nem este se harmoniza sem o contributo decisivo e pacífico da música. Claro!...e do sorriso.
«Dois passageiros num compartimento de comboio. Não sabemos nada do seu passado, origem ou destino. Instalaram-se como se estivessem em casa, ocupando mesinhas, cabides, cubículos para bagagem. (...) Abre-se a porta e entram dois novos viajantes. A sua chegada não é bem-vinda. Há uma evidente má-vontade por terem de se chegar, retirar as coisas dos lugares vagos e partilhar o espaço disponível. Neste caso os primeiros passageiros comportam-se de forma particularmente solidária, apesar de não se conhecerem. Confrontam, como grupo, os recém-chegados. é o seu território que está a ser disputado. Qualquer um que apareça é visto como intruso. Consideram-se nativos e reivindicam a totalidade do espaço. Esta atitude não se pode explicar de forma racional, parece estar profundamente enraizada.
Proporciona contudo, raramente, conflitos declarados. Isto acontece porque os passageiros estão sujeitos a um sistema de regras que não depende deles. O seu instinto territorial é reprimido, por um lado pelo código institucional dos caminhos-de-ferro, e por outro pelas normas consuetudinárias de comportamento, como as da cortesia. Assim, trocam-se apenas olhares e murmuram-se entre dentes pedidos de desculpa. Os novos passageiros são tolerados. Habituam-se a eles. No entanto, embora em menor escala, permanecem estigmatizados.
Este exemplo tão simples não está livre de aspectos absurdos. O compartimento do comboio é uma morada transitória, um lugar que apenas serve à mudança. A flutuação é a sua característica. O passageiro é a negação do sedentário. Ele trocou um território real por um virtual. No entanto, defende o seu fugaz alojamento com raiva silenciosa.»
Hans Magnus Enzensberger; 'A Grande Migração' in Perspectivas da Guerra Civil.
Já ouvi tanta música de Bach que me parecia que nada me escapara desse universo extraordinário e vastíssimo. Puro engano! A música é também um mundo de eternas e maravilhosas surpresas. E quando pensávamos que mais nenhuma genialidade nos poderia surpreender....ficamos «de queixo à banda» com um autêntico festival ...de puro génio. Benditos os pianos e as cordas! Benditas as mãos....
Não sou muito de insinuar sensibilidades. Gosto do que gosto e fico feliz se alguém gostar comigo. O gosto insinuado soa-me sempre a pedagogia de 'gosto duvidoso'. E a pedantismo balofo. O prazer que se partilha não sobrepõe estatutos. No plano estético há apresentações. Só isso. E ninguém tem o direito de 'conduzir ninguém pela mão'. De um certo ponto de vista não me parece justo.
Logo, isto é apenas uma apresentação. Que me agrada muitíssimo. Merece ser ouvido pelo menos uma vez. Não para gostar. Isso é pessoal. Mas apenas para conhecer.
Gustav Mahler (1860 - 1911). A propósito de nada. E de tudo. A segunda metade do século XIX explodiu numa confiança imbatível. A razão poliédrica revela-se então, como nunca: Ciência, Arte, Política, Economia....(no fundo, Filosofia)...e a Música, claro! Movimentos intelectuais, sobretudo estéticos, fervilham na Europa, centro do mundo. Viver sem ir a Paris não é viver, é passar pela vida. A pintura e a música, mas não só, insinuam-se como supremas afirmações da razão sensível e da modernidade. Filósofos geniais, pintores brilhantes e músicos eternos germinam e pululam na glória desta era civilizacional. O futuro foi o que foi. Sabemo-lo hoje. Provavelmente por isso, ou por causa disso e do seu contrário. Mas são contas de outro rosário.... Como lemos e ouvimos aqui (onde o brilho de dois génios, Mahler e Sinopoli (1946 -2001), nos arrebata) a Sinfonia nº 1 em Ré maior, tradicionalmente conhecida por «Titan», encerra-se carregada de simbolismo que é o de uma época inquieta e que se assume como de transição. «De las tinieblas a la luz», diz-nos o articulista. Concordamos!
Cecilia Bartoli é fantástica. Há adjectivos mais indicados para caracterizar uma voz brilhante e única. Sei que há. Mas eu só quero dizer isto: «Cecilia Bartoli é fantástica»!
Toda a tecitura da voz acorda fantasmas e borda fantasias. Define novos contornos, pinta céus não imagináveis, funde formas, concilia movimentos.
Cecilia traz a paz embebida na voz. Reconhecer-se-ia nela a fundação de ser. Porque é do fundo, do nada que devem ser, que a voz dela abre o que se torna. Definitivo. Um «bel foco» que jamais se extinguirá. Uma chama que se acende em cada um.
Cecilia Bartoli é a paz. Ouçamos como concilia os inconciliáveis Benedetto Marcello (1686-1739) e Antonio Vivaldi (1678-1841).