2007-08-31

Heinrich I. F. Biber




…E para quem sublinha sempre o carácter sorumbático da música erudita na sua forma ‘sonata’, eis um representativo desmentido de Heinrich Ignaz Franz Biber (1644 – 1705), ilustre compositor, pensador musical e finíssimo violinista do séc. XVII.

Porque a música é, naturalmente, o fino fio dourado da vida que passa, ela tem, da vida, tudo. Até o humor em doses adequadas. Da vida real, claro!

2007-08-29

"Passarinhos"

Marco Uccellini (1603 ou 1610 – 1680). O italiano Uccellini, no coração do barroco amou e desenvolveu a sonata, vincando bem, nas que compôs e que nos chegaram, a melodia em vaga sobre os quatro andamentos, na forma mais apropriada ao tempo, ao seu tempo histórico.
O agrupamento The Arcadian Academy de Nicholas McGegan gravou “La Bergamasca”, em 1993, para a harmonia mundi. Parece-me que foi distribuído entre nós em 2004. Mais do que um cd, é uma lição e uma iniciação ao deleite da sonata.
De Uccellini pouco sabemos. Até mesmo a data do seu nascimento é insegura, o que em pleno século XVII já não seria tão comum. Dizem-nos que se preocupou com as notas mais agudas e que nos seus escritos sublinhou bem a sua importância musical. Disseram também algumas más-línguas que isso se devia ao seu próprio nome (em português «passarinhos»), que lhe terá feito prestar atenção aos maviosos chilreios canoros. Graçolas!!!
No YouTube encontrámos esta amostra. É fraca, realmente....mas é o que temos à disposição. O melhor mesmo é obter o cd.


2007-08-16

Marin Marais

Marin Marais (1656 - 1728) é um vulto repleto. Tanta música, tanta vida, tanta dedicação. A pungente França de XVII – XVIII, terra de tanta Europa, gerou esta força da natureza para que refulgisse mais e mais a vitalidade cultural e política desta época dourada. Na Paris eterna, entre luzes e sombras, ressoam novos timbres desatados por mãos divinas. Sons que insuflam e animam palácios e encantam poderosos. Combinam alegria e requinte nas festas modernas, guiando os pequenos voos das jovens cortesãs afogueadas. Sons que se estendem como luz nos corredores de oiro e deslizam em diálogo pelas superfícies frias dos espelhos, desafiando os fugazes brilhos dos lustres suspensos de tectos fantásticos. Sons subtis que alegram corações e restabelecem príncipes febris.
Enchem ainda o coração do músico que materializa na sua vastíssima prole a inspiração de um mundo de pujante fantasia e novidade.
Marin Marais extingue-se em Paris a 15 de Agosto de 1728. A sua música límpida corre ainda por aí a restabelecer os corações.


2007-08-12

Torga



«A princípio, realmente, ninguém o viera perturbar naquele refúgio murado e amplo, onde as notas, como ondas numa praia imensa, se estendiam pesadas e vagarosas. Uma tarde, porém, a sombra esguia da moça transpôs imperceptivelmente a grande porta. Viu-a atravessar sem ruído o transepto, e ir ajoelhar-se diante do altar da Virgem. Sem saber porquê aflorou-lhe aos dedos o Stabat Mater. O som ergueu-se, encheu o silêncio, e o tempo deixou de ter medida. Quando ela se levantou e saiu, sem erguer sequer os olhos para o coro, era noite fechada. Desencantado, desceu também dos píncaros do inefável, onde pairava, e pôs-se a caminhar no duro chão da realidade. Na rua, pouco depois, a tropeçar nas saliências do empedrado, a vida pesava-lhe nos ombros muitos quilos a mais.


No dia seguinte, à mesma hora, repetiu-se a aparição. Cuidou que o coração lhe saltava do peito. E a emoção que sentira no dia anterior nasceu de novo e animou-lhe as mãos magras e nervosas. Tocou. Não o Stabat Mater, angustiado. Desta vez foi um Salmo, brando como uma carícia a um filho. Uma ternura que a si próprio se dava, não sabia porque dor futura. E aquele afago fazia-lhe bem.»


Do conto Música do livro Rua de Miguel Torga (1907 - 1995). Uma simples homenagem ao 'rude sensível' no dia do seu centenário.




Stabat Mater - Giovanni Pergolesi (1710 - 1736)

2007-08-02

Antonio de Cabezón




Cabezón (1510 - 1566), o músico cego da Imperatriz, “abrilhantou” a bela serenidade da rainha portuguesa. Isabel de Portugal levou a Carlos V e à sua corte imperial, o gosto requintado da música. Manteve junto de si cerca de meia centena de músicos. Atendendo ao registo imortal que nos deixou Tiziano, não lhes faltaria a fonte da inspiração: A beleza da Imperatriz que fascinou o grande senhor da Europa do século XVI, bem como todos os seus súbditos. De tal modo que, após espreitar o seu cadáver, já em avançado estado de decomposição, Francisco de Borja, o Duque de Gandia, foi levado a mudar radicalmente a sua vida. Com isso tornou-se santo. Sophia, a Imperatriz dos poetas, celebra finamente a meditação do Duque:

Nunca mais
A tua face será pura, limpa e viva
Nem o teu andar como onda fugitiva
Se poderá nos passos do tempo tecer.

E nunca mais darei ao tempo a minha vida.

Nunca mais servirei senhor que possa morrer.

A luz da tarde mostra-me os destroços
Do teu ser. Em breve a podridão
Beberá os teus olhos e os teus ossos
Tomando a tua mão na sua mão.

Nunca mais amarei quem não possa viver
Sempre.
Porque eu amei como se fossem eternos
A glória, a luz e o brilho do teu ser.
Amei-te em verdade e transparência
E nem sequer me resta a tua ausência.
És um rosto de nojo e negação
E eu fecho os olhos para não te ver.

Nunca mais servirei senhor que possa morrer.



Sophia de Mello Breyner Andersen; Meditação do Duque de Gandia sobre a morte de Isabel de Portugal.



A Harpa Aoyama é uma 'fantasia' moderna...mas Cabezón soa bem e a Imperatriz teria gostado destas «diferencias» requintadas.