2007-07-14

Modernidade, Liberdade, Música (Le 14 Juillet)

...Deixámos para hoje essa referência inultrapassável a Tchaikovsky. Porque sim! Nesta «1812 Overture» está muito do essencial do espírito da modernidade. Porque apetece celebrar todas as Bastilhas....porque nos nossos sonhos mais fecundos visitamos sempre os possíveis não realizados. Porque é aí que respiram os «subterrâneos»... Porque Música, Liberdade e Sonho são companheiros eternos. Porque...



2007-07-13

Modernidade, Liberdade, Música

No seu excelente livro Tudo o que é Sólido se Dissolve no Ar (editado em Portugal pelas Edições 70, com tradução de Ana Tello), Marshall Berman aproveita uma frase do Manifesto do Partido Comunista, de K.Marx, para dar título a uma notável análise do espírito da modernidade. No IV capítulo penetra na estrutura da sociedade russa do século XIX e faz um percurso pela importância histórica e social da Avenida Nevski, de São Petersburgo, não só para o desenvolvimento da Rússia, numa época crucial da sua história mas, também, para a compreensão da eclosão da plenitude do espírito da modernidade, ali como em toda a Europa Ocidental. Os anos retratados são anos dramáticos para os povos europeus, para a Rússia mas também para a Itália. As convulsões da história social russa do século XIX pulsarão naturalmente na música dos compositores da época. Glinka e o Grupo dos Cinco (Balakirev, Cui, Mussorgsky, Rimsky–Korsakov e Borodin), entre outros, deixaram bem fixa na pauta a modernidade dramática da alma russa. Mas o ponto de Berman aqui é outro. Ao confrontar-se com um texto de Dostoievski (Notas do Subterrâneo), e com os dramas existenciais do herói do texto, refere, citando em parte:

«Sentia-me triunfante e cantava árias italianas» Aí, como em grande parte da grande ópera italiana – que coincide, lembre-se, com as lutas da Itália pela autodeterminação – o triunfo é político e pessoal. Ao lutar, à luz do dia, pela sua liberdade e dignidade, ao lutar não só contra o oficial mas também contra a desconfiança e o ódio que nutre por si próprio, o Homem do Subterrâneo venceu.” (p.246)

De facto, também em Itália se lutava então pela liberdade e pela dignidade de um povo inteiro. O reconhecimento da liberdade ou a luta por ela é um traço profundo da modernidade. Os compositores italianos souberam, como ninguém, deixar marcada na música a emoção e a força desse traço Moderno em confronto com as velhas estruturas sociais opressoras. Verdi deixou-nos o trecho que, muito provavelmente o heróico Homem do Subterrâneo cantou no seu pequeno, mas decisivo, momento de libertação:

EBREI
Va', pensiero, sull'ale dorate;
va', ti posa sui clivi, sui colli,
ove olezzano tepide e molli
l'aure dolci del suolo natal!
Del Giordano le rive saluta,
di Sionne le torri atterrate...
Oh mia patria sì bella e perduta!
Oh membranza sì cara e fatal!
Arpa d'or dei fatidici vati,
perché muta dal salice pendi?
Le memorie nel petto raccendi,
ci favella del tempo che fu!
O simile di Sòlima ai fati
traggi un suono di crudo lamento,
o t'ispiri il Signore un concento
che ne infonda al patire virtù!


2007-07-05

Heidegger, Schumann e o "Poema único"








Numa leitura despreocupada encontrei na obra de Carl Dahlaus, Musikästhetick (Estética Musical na tradução portuguesa de Artur Morão para as "Edições 70") uma referência a Schumann que me chamou a atenção. O excerto diz o seguinte:


«1. A estética de uma arte é a das outras; só o material é diferente.



O aforismo de Schumann, uma sentença que incitou Grillparzer e Eduard Hanslick à oposição, é apoiado pela representação entusiástica da arte "única" que se dispersa em artes diversas, tal como a luz nas cores. E o momento que faz da arte arte e a separa de um ofício inferior, da "prosa" de todos os dias, recebeu de Schumann, baseado na estética de Jean Paul, o nome de "poesia" (pg. 14 da tradução portuguesa).»


A leitura deste pequeno trecho reenviou-me para outras leituras que sublinham, de todo, uma ideia semelhante. Num pequeno texto de 1953 à volta da poesia de Georg Trakl, Heidegger escrevia: «Todo o grande poeta poetiza só a partir de um único Poema». E mais adiante - «O lugar do Poema encobre, como manancial da onda movente, a essência velada daquilo que, do ponto de vista metafísico - estético, pode, à partida, aparecer como ritmo». E mais: «Uma vez que o Poema único permanece no âmbito do não dito, só podemos dilucidar o seu lugar procurando indicá-lo a partir do falado nos poemas particulares. (...) Os poemas particulares brilham e vibram só a partir do lugar do Poema único.» (M. Heidegger; A Fala no Poema, uma dilucidação da poesia de Georg Trakl; versão pessaol.)


Num outro texto, ao reflectir sobre uma afirmação do poeta Hölderlin, «...poeticamente habita o homem....», diz-nos o filósofo: «O homem não habita só enquanto instala a sua morada na terra sob o céu, enquanto que, como agricultor, cuida do que lhe cresce e simultaneamente levanta edifícios. O homem só é capaz deste construir se constrói já no sentido do medir que poetiza. Propriamente o construir acontece enquanto há poetas, aqueles que tomam a medida da arquitectónica, da armação (Gestell) do habitar». (Heidegger, Vorträge und Aufsätze, cap. 8, versão pessoal.)



Tomemos então o aforismo de Schumann (a estética de uma arte é a das outras) e substituamos «Poema» por «Música». Isto se nos for difícil aceitar a afirmação de que aquilo que faz da arte arte e a eleva a uma forma específica e fundante do habitar humano, (eu diria: o que faz de qualquer arte, mesmo a musical, arte) é a «poesia». Sobre a fecundidade deste nome reflectiremos noutras ocasiões.

2007-07-02

Wilhelm Friedemann Bach


Wilhelm F. Bach (22/11/1710 - 1/7/1784) foi o segundo filho do grande Johan Sebastian Bach e o primeiro da sua mulher Maria-Barbara. O jovem Wilhelm Friedemann foi sempre o mais próximo e o preferido do pai. Para além da Música, estudou Direito, Filosofia e Matemática e parecia ter um futuro promissor. A Música, naturalmente, aprendeu-a do pai e revela, em algumas passagens do que deixou escrito, uma aderência quase absoluta a trechos da escrita do progenitor. Wilhelm, apesar de talentoso, parece ter-se tornado sombrio e pouco regrado na sua vida social. Rapidamente caiu em desgraça na Berlim do século XVIII. Chamou a si situações difíceis que lhe trouxeram uma velhice decadente e uma morte miserável.


Herdou algo do pai: a sua música mostra talento e originalidade, marcas familiares que parece partilhar com outros elementos da brilhante prole Bach.


O cd gravado por Barthold Kuijken e Marc Hantai dos seus «Six Duets for Two Flutes» exibe bem a medida do talento do compositor mas também a permanente sujeição à matriz paterna. Herança pesada é a deixada por tal pai! No entanto, no contexto da passagem do Barroco Musical para o Classicismo é, sem dúvida, um compositor a ter em conta e a ouvir com atenção.