2007-12-15

Dissoluto Absolvido

"Don Giovanni:
- Espanha, Turquia, França, Alemanha, Itália, tudo somado dá duas mil e sessenta e cinco mulheres...Quem delas terá sido a primeira? Como se chamava? Seria das louras? Seria das morenas? Era alta? Ou era baixa? Não consigo recordar-me. Depois de ter duas mil e sessenta e cinco mulheres deitadas, quem seria capaz de se lembrar da primeira? Tantas, tão poucas, demasiadas. Como poderá saber-se? A orgulhosa Dona Ana teria neste livro o número dois mil e sessenta e seis, a ingénua Zerlina seria a dois mil e sessenta e sete mas as ingratas não me deram tempo, resistiram, gritaram por socorro, obrigaram-me a fugir, a dar confusas e ridículas explicações. Antigamente era mais rápido na conquista, mais veloz no triunfo, mais conclusivo na retirada. E ainda por cima tive de matar o idiota do comendador. Don Giovanni está a fazer-se velho.
(Batem à porta com violência)
Don Giovanni:
- Quem chama? Leporello! Leporello! Onde te meteste tu alma condenada? Vai ver quem está a bater à porta! (...) Ah, tinha-me esquecido de que o mandei às compras... (Batem de novo com mais força) (...) Quem será o grosseiro, o estúpido, o mal-educado? (Agarra num bastão e vai abrir.) Espera aí que já te ensino!
Comendador (entrando):
- Aqui estou.
Don Giovanni:
- Isso vejo eu, mas custa-me a crer ser verdade o que os meus olhos mostram. Uma estátua andante é um prodígio que nunca mais se repetiu desde que o homem foi feito de barro."
José Saramago; Don Giovanni ou O dissoluto absolvido.

Tanta homenagem! Tantos fantasmas!
Mozart, Saramago, Freud, Levine, 'Don Giovanni', 'Dona Elvira', Comendadores.... Nunca mais acabam os nomes, as referências, as metáforas. Uma torrente esmagadora. E o que terá tudo isto a ver com os homens? (Pausa para respirar...fundo...e segurar no peito o coração...com ambas as mãos.)

1 comentário:

Paulo disse...

Terfel é sempre bom. Mozart haveria de gostar de ver este momento de teatro.
Já do Dissoluto da versão de Saramago/Corghi não gostei nada.