2007-11-16

Do Prazer

«O prazer é uma experiência dos sentidos, não difere do puro olhar ou do puro sabor com que um belo fruto nos enche a língua; é uma experiência grande e infindável que nos é dada, um saber do mundo, a plenitude e o esplendor de todo o saber. E que a tenhamos não é mau; o que é mau é quase todos usarem mal e desperdiçarem essa experiência e tomarem-na como excitante nos momentos fatigados da sua vida e como distracção, em vez de concentração, para os pontos altos.
(...)
Pode lembrar-se de que toda a beleza nos animais e nas plantas é uma forma silenciosa e permanente de amor e desejo e pode ver o animal como vê as plantas, unindo-se e multiplicando-se e crescendo pacientemente, docilmente, não do prazer físico, não do sofrimento físico, curvando-se às necessidades que são maiores do que o prazer e a dor e mais fortes do que a vontade e a resistência. Oh, pudesse o homem receber este segredo, de que a terra está cheia até às mínimas coisas, com mais humildade e guardá-lo gravemente e sentir como ele pesa tanto em vez de o tomar com leviandade! Pudesse ele respeitar a sua fecundidade que é só uma, pareça ela espiritual ou física; pois também a criação espiritual arranca da criação física, faz um com ela e é só como que uma repetição subtil, mais arrebatada e eterna do prazer do corpo.»


Rainer Maria Rilke.


Este excerto retirei-o de Cartas a um Jovem Poeta, um encontro recente. Aquilo que me parece uma excelente tradução de Vasco Graça Moura prendeu-me como poucas vezes me vejo. Um conjunto de missivas que são, além de tudo mais, uma lição de bom senso e um tratado de Estética. O excerto é de 16 de Julho de 1903. Por esta altura Gustav Mahler escrevera já a sua 5ª sinfonia (1901-1902). Este adagietto da 5ª, pela batuta de Zubin Mehta, adequa-se na plenitude ao espírito do texto. Parece-me. Eu pelo menos quero fruí-lo assim!

4 comentários:

Anónimo disse...

Lindo o texto e mágica a música. Obrigada. Bom fim de semana,

Moura Aveirense

goldluc disse...

Bom fim de semana para si também, Moura.
Rainer Maria Rike é sempre uma descoberta maravilhosa, a cada nova leitura. E a música de Mahler, como diz, é mágica. Penso que há nesta época de mudança de século uma envolvência espiritual determinante, no centro da Europa,uma espécie de canto do cisne romântico.Admito algum exagero da minha parte mas encontro sempre nas propostas estéticas deste tempo de mudança um arrojo fascinante.
Obrigado pela consideração.

Gi disse...

Chamar a atenção para o prazer tranquilo vale a pena, porque nos dias que passam(os) a correr só se nota aquilo que produz adrenalina.
Por isso a violência, a paixão, o protesto claro.
Parece-me que a felicidade é feita de piccole cose umile e silenziose...

Terpsichore Diotima (lusitana combatente) disse...

Belo texto de ler caro Gold,ressalto o...''concentração para os pontos altos''.

Cumprimentos